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A Paixão

QUE IMAGENS PODERIAM TRADUZIR O MUNDO INTERIOR de Clarice Lispector ?

por Luiz Carlos Lacerda

Um mundo cheio de meandros submarinos, côncavos e convexos; uma vida de êxtases profundos com a mera observação do mundo cotidiano de onde ela extraia a pérola dos dias de onde não parecia ter além da superfície das coisas. Pois este filme, mais do que apoiado nos seus densos e mágicos textos, transfigura-os, traduz sua essência, num mergulho criativo de absoluto transe, desmedido e livre - como é o Pensamento da escritora.

Além do horizonte que a Poética da Prosa "clariciana" se nos oferece, há um voo que só os grandes artistas são capazes de voar.

Sem o apego à costumeira linearidade da maioria dos documentários biográficos, este filme é mais do que uma ode à Invenção, sem abdicar de contar a história pessoal do objeto de sua pesquisa. Mas, fiel à forma com que ela se vestia de espanto, consegue selecionar da fala dos entrevistados, o mesmo estado de deslumbramento que nos provocam seus textos sem precedentes na nossa História literária. E utiliza os depoimentos numa edição equilibrada que não interrompe o fluxo de sua Poesia, como acontece em geral, nessa equivocada mistura de jornalismo televisivo com a Linguagem Cinematográfica dos filmes do gênero.

Ao espectador basta entregar-se ao embalo dessas imagens criadas ou resgatadas de vídeos existentes de importantes artistas. E às falas de uma mulher aturdida com a mediocridade de um mundo em que ela se sentia um corpo estranho, mas que traduziu com Beleza e exatidão a mesma estranheza que Virgínia Wolf e Lúcio Cardoso dedicaram às suas obras eternizadas.

Este filme nos transporta para dentro do coração selvagem de nossa maior escritora.

Como se fosse ele o timão dessa viagem sem fim.

IMPERDÍVEL!

CLARICE lISPECTOR - A DESCOBERTA DO MUNDO
Direção: Taciana Oliveira
Brasil (2021)
por Ricardo Aquino

Clarice Lispector falou: "Sou um mistério para mim mesma". Que mistério tem Clarice, pode-se indagar; melhor dito: que mistérios tem Clarice? O ensaio documental lança luz sobre a nossa escritora que se estabeleceu no universo machista da carreira diplomática, enquanto esposa, e na seara literária e do jornalismo, enquanto autora.

São tantos e tão complexos tais mistérios que cativaram a diretora em 2005 e que durou 17 anos para ser lançado como filme.

É um documentário que vale a pena ser assistido e que dispara inúmeras emoções no público. A sessão em que assisti culminou em aplausos do público.

O ensaio transita por diversas escolhas e dualidades: duas narrativas, a da literatura e da biografia histórica; da poesia e da fotografia; do cinema autoral, artístico e inventivo e do documentário realista; da fidelidade ao texto literário e da livre criação a partir deste.

Tatiana Oliveira escolheu, como o poeta defronte de uma clareira na qual se divisam dois caminhos, ela escolheu o menos percorrido, e isto fez toda a diferença.

O ensaio a que assistimos traz a Clarice nascida na Ucrânia, judia, criada na tradição judaica em Recife - tanta luz sobre A hora da estrela", nordestina, que acompanha o marido na carreira diplomática e por fim se estabelece no Rio de Janeiro.

Uma mulher que tem de sobreviver, trabalhar, escrever coisas que martelam na sua cabeça e criar dois filhos.

O ensaio transita entre o real/documento e a imaginação/criação oferecendo as bases da narrativa da realidade com delicadeza - um olhar feminino e delicado - sobre uma obra inventiva e densa. Alguns já a tomaram como estudo para a filosofia existencialista.

Outros a tomam como uma "escritora difícil".

Quantos mistérios tem Clarice Lispector que nos colocam a devanear enquanto lemos seus escritos!

O ensaio documental desarma muitas armadilhas e instiga a conhecer sua obra que antecipa questões formais e estéticas que são melhor entendidas com o passar dos anos.

Julia Murat em um filme mostrou o pensamento de que uma história vale pela forma como ela é apresentada, escrita ou no caso filmada. O ensaio inova e enriquece exatamente porque cria narrativas a partir de dialogos estéticos para transmitir o universo de Clarice usando de forma criativa a interrelação entre fotografia e literatura. Não seria este um dos mistérios de Clarice, em seu diálogo íntimo entre a realidade que percebia e fazia anotações e os seus personagens imaginários?

Um filme sensível, delicado, que chega ocupando espaço como um documentário essencial para os que se interessam por diversos temas que comparecem nas muitas clarices, em suas vidas e suas obras.

"Sai-se do estado de graça com o rosto liso, os olhos abertos e pensativos e, embora não se tenha sorrido, é como se o corpo todo viesse de um sorriso suave. E sai-se melhor criatura do que se entrou. Experimentou-se alguma coisa que parece redimir a condição humana, embora ao mesmo tempo fiquem acentuados os estreitos limites dessa condição."Creio que isso descreva, de certo modo, a sensação com que se sai do cinema após assistir ao doc "A Descoberta do Mundo", de Taciana Oliveira sobre Clarice Lispector. O filme é lindo, delicado, reverencia e traz múltiplas Clarices pela memória de tanta gente que conviveu com ela, marcada por sua presença, por sua literatura. Grato, Taciana, por proporcionar esse "estado de graça". Inevitável, também, não desejar voltar, de imediato, a algum livro dela ao alcance da mão, na estante, para buscar aquela ou aquelas passagens ou trechos que deixamos marcado. Não percam esse filme."
Luiz Henrique Gurgel, escritor e jornalista
*Na foto (da esquerda pra direita): Katia Marchese,
Luiz Henrique Gurgel, Taciana Oliveira e Teresa Montero. 
Águeda Amaral
Maria Bonomi
Thais Polimeni, Águeda Amaral e Fani Feldman
Stella Tolbar e Eucir de Souza
José Augusto De Blasiis
Águeda Amaral, Margarida Oliveira e Taciana Oliveira

por Angel Cabeza

poeta e produtor editorial

Já era para eu ter indicado o maravilhoso documentário da Taciana Oliveira, mas acabei atrasando a postagem. E que documentário! "A Descoberta do Mundo" não é apenas um recorte do humano existente em uma das maiores escritoras brasileiras, mas também uma aula de escrita e de como é viva a matéria da literatura.

O filme nos entrega não a Clarice massificada e divulgada amplamente, por vezes "memística" e caricata, mas uma figura muito a frente de seu tempo, que faz da carne o combustível de sua narrativa e padece por essa paixão.

Quem assiste ao filme conhece muito mais Chaya Pinkhasivna, a mulher escondida por trás de Clarice. E é incrível como Taciana consegue captar as entrelinhas da vida da escritora sem cair no clichê das biografias e apresentar um novo olhar sobre aquilo que já conhecemos.

Fiquei encantado com as referências do filme, principalmente com as aulas de criação: todas as verdades por trás de uma vida literária, todas as ideias captadas no dia a dia, tudo aquilo que permeia o cotidiano e converge para que a escrita nasça.

Parabéns, Taciana, pelo belo trabalho.

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